Selecionei algumas notícias importantes e simbólicas sobre avanços e retrocessos do tema igualdade e equidade de gênero na política, nas finanças, na economia e nas empresas em um ano tão atípico
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Por Naiara Bertão, Valor Investe — São Paulo – 07/01/2021
O ano de 2020 foi especialmente desafiador para mulheres, seja por sua forte presença na linha de frente de combate à covid-19, seja porque as taxas de violência doméstica aumentaram com o isolamento social, seja porque elas são em maior número no emprego informal, ou ainda porque elas tiveram que se virar nos 30 para dar conta do trabalho, casa e família – incluindo filhos – em muitos lares que ainda não têm uma divisão igualitária de trabalho doméstico entre homens e mulheres.
Motivos não faltam para desanimarmos, mas os ventos da mudança parecem estar chegando mais fortes. A pandemia reforçou os laços de solidariedade de muitas pessoas e as redes de apoio, ainda que informais, às mulheres se fortaleceram.
Elas, chefes de família e mães solo foram contempladas – ufa! – no auxílio emergencial do governo com o dobro dos recursos (R$ 1.200 e não os R$ 600 que o restante teve direito). Nunca se discutiu tanto o número de mulheres em empresas, a desigualdade de gênero em conselhos de administração e a necessidade de olharmos com atenção às dificuldades que mulheres negras, em especial, enfrentam.
Mais mulheres foram convidadas a entrar nas camadas mais altas da arquitetura corporativa de diversas empresas. Muitas companhias anunciaram – finalmente! – programas de diversidade e inclusão e algumas até foram além e atrelaram a esses indicadores o bônus de seus altos executivos. O número de mulheres na bolsa de valores brasileira praticamente dobrou em 2020.
— Foto: GettyImages
Separei algumas boas notícias para o empoderamento feminino em 2020:
- As empresas brasileiras estão criando e melhorando políticas e métricas de diversidade. A agenda de diversidade de gênero é prioridade para 66% dos CEOs, de acordo com a pesquisa “Mulheres da Liderança”, realizada pelos jornais Valor Econômico e O Globo e pelas revistas Época Negócios e Marie Claire, em parceria com o Instituto Ipsos. Das 162 empresas avaliadas, 65% delas aumentaram a proporção de mulheres na diretoria ou vice-presidências, 41% relataram reduzir a disparidade salarial entre homens e mulheres por nível hierárquico e cerca de 30% levaram a pauta para a cadeia de valor, ampliando seu alcance. Em 2020, 63%das empresas pesquisadas disseram possuir uma área de diversidade com orçamento (versus 47% em 2019) e 44% nas posições de gerência e executivas, um aumento de dez pontos percentuais em relação ao ano anterior.
- Em janeiro, o banco Goldman Sachs anunciou uma nova política de negócios na área de estruturação de ofertas iniciais de ações (IPOs) que determina que, a partir de julho, a instituição só faria operações de empresas que tenham um conselho de administração “diverso”, com ao menos uma mulher.
- Pela primeira vez, todas as empresas que compõe o índice de ações americanas S&P 500 tem ao menos uma mulher no conselho. O dado foi revelado em dezembro em uma pesquisa da consultoria Spencer Stuart Board e se baseia em declarações apresentadas por empresas entre 24 de maio de 2019 e 20 de maio último. Mesmo assim, elas representam apenas 28% de todos os conselheiros do S&P 500.
- A própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está propondo na revisão da Instrução 480, que regulamenta as informações que as companhias de capital aberto precisam prestar todo ano, a inclusão de tópicos quantitativos e qualitativos sobre diversidade de gênero e raça.
- Em dezembro, a Nasdaq apresentou à SEC, a CVM americana, a proposta que obriga empresas listadas a adotar e divulgar medidas de ampliação da diversidade em seus conselhos de administração. Se for aceita, as 3249 empresas listadas em sua bolsa de valores precisão ter ao menos uma mulher e um(a) diretor(a) ligado(a) às causas minoritárias ou LGBTQ+.
- A questão de diversidade é pauta de grandes empresas. A Petrobras lançou em dezembro seu primeiro Plano de Equidade de Gênero com ações para a promoção da diversidade. Além do programa de mentoria para lideranças femininas, que tem o objetivo de apoiar o desenvolvimento de mulheres a cargos mais altos, o plano prevê ainda monitoramento de dados e uma pesquisa de diversidade e inclusão. A empresa também pretende criar grupos de afinidade e outras frentes de capacitação e sensibilização. Atualmente, as mulheres representam 17% do efetivo da companhia. Do total de líderes, em todas as posições hierárquicas, as mulheres somam apenas 15%.
- O grupo de serviços financeiros e investimentos XP Inc. anunciou em julho a meta de chegar ao percentual de 50% de mulheres em seu quadro de funcionários, em todos os níveis hierárquicos, até 2025. Na ocasião, a empresa disse que tinha apenas 22% de mulheres entre seus 2,6 mil funcionários, sem distinção de salários. Entre as ações para bater a meta, estão a criação do coletivo feminino MLHR3; fomento de grupos/comunidades internas para discussões e implementação de ações; treinamento para lideranças; mentoria de carreira para mulheres; revisão de políticas internas de vagas e avaliação de desempenho; licença a maternidade e paternidade estendida e a possibilidade de trabalho remoto para todos os colaboradores.
- A Microsoft Brasil começa a investir, por meio de seu braço de venture capital e do fundo FIP Capital Semente Inova WE , em startups que tenham ao menos uma mulher entre os sócios. E para se certificar que a presença feminina na empresa não seja mera figuração, o fundo pede ainda que esta mulher tenha ao menos 20% de participação na empresa e que ela esteja ao menos em cargo de diretoria. Uma inspiração para outros fundos, já que só 15% das startups brasileiras são lideradas por mulheres.
- A Telefônica Brasil, controladora da Vivo, quer atingir a meta de 30% de mulheres em posições de alta liderança em 2021. Entre 2017 e 2020, a presença feminina nesses cargos cresceu oito pontos percentuais, para 25,4%. Desde 2019, a operadora passou a vincular a meta de percentual de mulheres em cadeiras de alta liderança ao bônus dos executivos e o conselho acompanha periodicamente a evolução dos números. No quadro total de funcionários da operadora de telefonia, 42% hoje são mulheres.
- A Volkswagen global quer atrelar bônus de executivos do alto escalão às metas ambientais, sociais e de governança, ou ESG na sigla em inglês, cada vez mais valorizadas por investidores.
- Gestão de investimentos – Foram lançados ao menos três novos fundos de investimentos com ativos focados em igualdade e equidade de gênero: Warren Equals FIA, da Warren (patrimônio de R$ 12 milhões); Fundo W-ESG (patrimônio de R$ 8 milhões), de Franklin Templeton e Vitreo; e Trend Lideranças Femininas, da XP (patrimônio de R$ 8 milhões).
- Ter mulheres no quadro de gestão de recursos pode ser um diferencial competitivo. É o que mostra um estudo do banco Goldman Sachs feito a partir de análise de 496 grandes fundos de investimentos do tipo multimercado nos Estados Unidos que juntos somam US$ 2,3 trilhões sob gestão. Ao cruzar dados de rentabilidade com o perfil da equipe de gestão, eles chegaram à conclusão de que os fundos que têm ao menos um terço da sua equipe de gestão formado por mulheres conseguiu uma rentabilidade de 1 ponto percentual maior do que aqueles sem mulheres no quadro, isso em 2020.
- Política – Todas as capitais do país elegeram mulheres para o cargo de vereador, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2016, havia uma capital que só elegeu homens para a Câmara Municipal: Cuiabá. Porto Alegre será a capital com a maior representatividade feminina na Câmara de Vereadores, de 30,55% (11 das 36 vagas serão ocupadas por mulheres), seguida por Belo Horizonte (26,83% das vagas) e Natal (24,14%). Ainda falta muito para as mulheres alcançarem a representatividade que têm na população brasileira, de 52%, mas estamos no caminho.
Algumas mulheres que entraram em posições de liderança antes só ocupados por homens:
– Kamala Harris, vice de Joe Biden, presidente eleito nos EUA, é a primeira mulher eleita vice-presidente dos EUA.
– Janet Yellen, ex-presidente do Fed (Banco Central americano) se tornará a primeira mulher a chefiar o Departamento do Tesouro do país em seus 231 anos de história depois de sua indicação pelo presidente americano eleito Joe Biden.
– Cristina Peduzzi, ministra, é a primeira mulher a presidir o Tribunal Superior do Trabalho (TST) desde que o tribunal foi criado no país, em 1946.
– Michele Robert vai assumir a Gerdau Summit, joint venture voltada ao fornecimento de peças para a geração de energia eólica, administrada em conjunto com as japonesas Sumitomo Corporation e Japan Steel Works (JSW). Ela é a primeira mulher no comando de uma das operações da empresa.
– Jane Fraser vai suceder Michael Corbat em 2021 como presidente-executiva do Citigroup, tornando-a a primeira mulher a liderar um grande banco de Wall Street.
– Andrea Rolim é a nova líder da operação brasileira da multinacional americana do segmento de higiene pessoal Kimberly-Clark – a primeira mulher no cargo.
Tem mais nomes de mulheres na presidência de grandes empresas no Brasil? Escreva para mim: naiara.bertao@valor.com.br . Assunto: Mulheres na liderança – Blog Naiara com Elas
Em baixa
É comum esperar de jornalistas também as más notícias, ainda que seja injusto falar que só gostamos de dar informações sobre o copo meio vazio. Como fiscalizadores e questionadores do status quo, é natural que jornalistas tragam à tona o que também precisamos melhorar. No assunto de empoderamento de meninas e mulheres, com certeza já avançamos, mas ainda há um caminho longo para seguir.
- Assédio – Relatório divulgado pelo LinkedIn e da consultoria de inovação social Think Eva mostrou que quase metade das mulheres entrevistadas já sofreu assédio sexual. A pesquisa foi feita a partir de 381 entrevistas e tem o objetivo de traçar o cenário do assédio sexual em ambientes profissionais on-line e off-line. O ambiente de trabalho foi o espaço em que 47,12% das participantes afirmam ter sido vítimas de assédio sexual em algum momento e uma em cada 6 vítimas pede demissão do trabalho após passar por um caso de assédio e 35,5% afirmam viver sob constante medo. Para 78,4% das respondentes, a impunidade é a maior barreira para a denúncia, seguida de políticas ineficientes (63,8%) e medo (6,8%).
- Mulheres em Conselho no Brasil – Um levantamento feito por mim para o blog Naiara com Elas, em outubro, a partir de dados nos sites das 73 empresas que compõem o Ibovespa, quase um quarto (23,3%) não tem nenhuma representante feminina no conselho. Em média, a proporção de mulheres por assentos do conselho é de 12,4%, considerando as 73 empresas. Só duas têm mulheres na presidência do conselho – Magazine Luiza e CCR – mas ambas são da família fundadora.
- Mulheres em Conselho no Mundo – O Índice de Monitoramento de Diversidade Global nos Conselhos de 2020 mostrou que houve um avanço global e também no Brasil, mas não foi no ritmo que esperavam e que precisamos. Dados de 1.685 companhias de capital aberto de 44 países mostram que quase 90% dos conselhos de administração de grandes empresas de capital aberto no mundo este ano informaram ter como membro ao menos uma mulher. No Brasil, o percentual é menor, de 77%, mas um avanço em relação há três ano, quando esse percentual era de 61%. A pesquisa é realizada a cada dois anos desde 2004 pela consultoria de recrutamento executivo Egon Zehnder em 25 países.
Pesquisa divulgada no segundo semestre de 2020 pela consultoria Redington com mais de 100 gestores globais que têm, juntos, US$ 10 trilhões em ativos sob gestão, mostrou que menos da metade (cerca de 47%) dos gestores de fundos de investimentos considera, de fato, a diversidade de gênero em suas pesquisas para formação dos portfólios de investimentos. Ou seja, 53% NÃO levam isso em conta.
Efeito pandemia
E não poderia deixar de mostrar os efeitos da pandemia na vida das mulheres, investidoras, consumidoras, empreendedoras, funcionárias de empresas de todos os portes, mães e filhas.
- Uma pesquisa realizada pela RME e o Instituto Locomotiva em meados de 2020 com 1.165 empreendedoras durante a pandemia apontou que a crise fez com que 39% dos negócios comandados por mulheres simplesmente interrompessem suas atividades. Outras 47% estavam funcionando, mas já vendo os impactos negativos dos últimos meses. O problema fica mais grave já que para 21% delas toda a renda familiar vem do negócio.
A pandemia prejudicou mais as mulheres do que os homens, veja como:
Brasil
- A pesquisa “Mercado de Trabalho e Pandemia da Covid-19: Ampliação de Desigualdades já Existentes?” realizada em julho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que a taxa de participação de mulheres com filhos de até 10 anos no mercado de trabalho caiu de 58,3% no 2º trimestre de 2019 para 50,6% no mesmo período de 2020. A falta da creche e de uma rede de suporte para ajudar nos cuidados dos filhos levou muitas a se demitirem ou serem demitidas.
Considerando todas as mulheres (com e sem filhos), a participação média delas no mercado de trabalho caiu de 53,4% para 46,3% entre 2019 e 2020, considerando intervalo de abril e junho. O último resultado abaixo de 50% foi registrado em 1990. Esse indicador mostra o percentual de mulheres que estão trabalhando ou procurando emprego, dividido pela participação total de profissionais no mercado com 14 anos ou mais.https://83ba5635b11338d13b1515d0e3253d89.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
- Outra pesquisa, do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia, divulgada em novembro mostrou que, entre março e setembro, foram fechados 897,2 mil postos com carteira assinada, sendo que 588,5 mil eram ocupados por mulheres, ou seja, 65% do total.
Mundo
- Cerca de 70% dos trabalhadores de saúde em todo o mundo são mulheres, ou seja, elas foram as mais expostas ao risco de infecção pelo novo coronavírus, segundo relatório “Mulheres no centro da luta contra a crise Covid-19”, divulgado no final de março pela ONU Mulheres, entidade da Organização das Nações Unidas. Elas também estão mais expostas às vulnerabilidades sociais decorrentes da pandemia, como desemprego, violência, falta de acesso aos serviços de saúde e aumento da pobreza.
Artigo publicado originalmente no Blog Naiara com Elas no Valor Investe
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